Parei pra dar uma olhada num livrinho em formato infanto-juvenil que traz uma pequena compilação de versos do poeta Mário Quintana. O livro se chama "Sapato Furado" (bem a cara do autor, dado às riquezas da simplicidade). E então deparei-me com essa pérola de inteligência, que só pode sair da mente de quem atinge patamares elevados de reflexão.
Deliciem-se:
"Pedem-me que fale sobre mim mesmo. Bem! eu sempre achei que toda confissão não transfigurada pela arte é indecente. Minha vida está nos meus poemas, meus poemas são eu mesmo, nunca escrevi uma vírgula que não fosse confissão" (p. 31).
Brilhante. Se o poeta fosse vivo hoje, ficaria boquiaberto com a "indecência" que vigora por aí, pessoas confessando suas particularidades nas revistas, jornais e TVs, outras pessoas comprando as revistas, e o exibicionismo da intimidade como um valor positivo. Não estou falando de moralismos, não me entendam assim.. estou falando de elegância, sofisticação, simplicidade (que hoje é confundida com o 'simplório'.. o simplório, aliás, tá na moda, como prova o tal exibicionismo..).
Quando o poeta fala da "transfiguração pela arte", articula a grande sacada dos românticos e simbolistas do século XIX: não há vida sem subjetividade, portanto sem confissão.
Mas Quintana, como sabe quem estuda, foi fundo e ilustrou, em sua frase, o que de melhor esses estilos nos deixaram,e não o subjetivismo de bosta que reside nas confissões midiáticas.
Não foi o romantismo de quinta, ou o simbolismo fanático que pousaram em sua fala; a decência de Quintana está justamente na forma como refletiu o valor de superação que a arte pode legar a quem consegue superar as fronteiras da banalidade, para pensar de maneira realmente profunda..
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